Decretado o estado de emergência devido ao Covid-19 e com a perspetiva anunciada no último Conselho de Ministros do dia 9 de abril, de que as crianças não vão voltar mais para o ensino presencial até ao final do ano letivo, são cada vez mais as famílias que anulam as matrículas nos estabelecimentos privados, principalmente nas Creches e nos Jardins de Infância, onde a frequência não é obrigatória.

A maioria dos equipamentos privados, quer as creches quer os jardins de infância, até conseguiram adaptar-se ao novo modelo de ensino à distância e produzem diariamente conteúdos pedagógicos, enviam propostas de atividades adaptadas à idade das crianças e promovem encontros com as crianças via skype ou zoom, para manterem o contacto regular com as famílias e compensarem-nas, minimamente, do isolamento social que vivem.

Mas, com a pouca ou nenhuma autonomia das crianças, cabe aos pais utilizarem a tecnologia para intermediarem essa relação e executarem o trabalho com os seus filhos, para que os mesmos possam tirar partido do mesmo. Mais difícil se torna a situação, quando os pais se encontram em teletrabalho e têm que arranjar tempo e forma para trabalhar com os filhos ao colo. E por isso, muitos pais se revoltam, por terem que assegurar um trabalho que, antes, era só da educadora e por não terem ninguém para cuidar dos seus filhos. Uns dizem que não pagam, outros exigem reduções na mensalidade na ordem dos 50% a 70%. Criam-se tensões entre as partes, uns querem pagar menos, outros dizem que não podem baixar mais e é difícil chegar a um consenso, porque, em boa verdade, todos têm a sua razão.

Surgem as perguntas clássicas:

Mas afinal, porque é que as creches e os jardins de infância não podem reduzir mais as mensalidades? 
Sem crianças, não têm que pagar água, nem luz, nem gás, nem alimentação, nem transporte...
Podem mandar as funcionárias para layoff, parcial ou total...
E porque é que praticam descontos diferentes? A realidade não é a mesma?

São questões compreensíveis e necessárias de quem não tem a noção o que é gerir uma creche ou um estabelecimento de ensino.

De facto, há ainda um conjunto de custos (para além dos ordenados dos funcionários) que não desapareceram nem reduziram com o encerramento temporário das instalações e a ausência dos alunos.

São custos de operação e de manutenção obrigatórios para manter as licenças e o funcionamento da instituição, tais como:

1. Custos com telecomunicações (que tendem a aumentar com o ensino à distância);
2. Avenças mensais com os serviços de contabilidade e recursos humanos (para tratar da fiscalidade e dos salários da empresa);
3. Várias apólices de seguro (para instalações, funcionários, alunos, viatura);
4. Programa de faturação certificado (contrato de manutenção);
5. Sistema automático de deteção de incêndio (serviço de manutenção dos equipamentos);
6. Manutenção das Medidas de Autoproteção (inspeção e manutenção dos extintores, mangueiras, dos blocos autómatos e da fotoluminescência da sinalética no espaço);
7. Manutenção e inspeção dos equipamentos de jogos e recreio no exterior (para manter a certificação);
8. HACCP (Sistema de controlo da Higiene e Segurança Alimentar);
9. Avença com nutricionista ou contrato com empresa de gestão de compras e nutrição;
10. Contrato com empresa de Controlo de Pragas e Desinfeção das Instalações;
11. Custos Indiretos com o Pessoal:

a. Medicina no Trabalho;
b. Segurança no trabalho;
c. Formação (25 horas por ano por trabalhador).

12. Leasings e/ou contratos de manutenção de equipamentos (impressoras, fotocopiadoras, sistema informático);
13. Inspeções obrigatórias à rede de gás e à rede elétrica;

Existem ainda custos variáveis, que, não sendo obrigatórios, são necessários para algumas instituições, poderem garantir maior qualidade, conforto e segurança aos seus utentes:

14. Renda do espaço;
15. Alarmes de intrusão (ligação e manutenção);
16. Sistema de controlo de acessos (contratos mensais);
17. Equipamentos de ar-condicionado (manutenções semestrais);
18. Plataformas de comunicação com os pais (Weduc, Educabiz, ChildDiary), custo por aluno e por mês;
19. Contrato com Empresa de jardinagem ou manutenção do espaço exterior;
20. Manutenção do Sistema de Gestão da Qualidade (auditorias e certificações).

Muitos destes custos são mensais outros são anuais, mas estão todos contabilizados na anuidade do aluno que foi definida no contrato, e, para facilitar o seu pagamento, foi dividida em mensalidades. São poucos os contratos que se conseguem renegociar com os fornecedores ou prestadores de serviços, com uma paragem temporária e indefinida das instalações.

Basicamente, o que se consegue reduzir com o encerramento das instalações no consumo da água, da luz e do gás, não representa mais do que 5% dos custos totais da estrutura.

Recorrer ao layoff simplificado com suspensão de contratos ou redução de horários pode reduzir os custos com os vencimentos do pessoal, redução essa que é normalmente repercutida nas mensalidades dos alunos, mas não cobre o subsídio de férias que vai ter que ser pago brevemente aos trabalhadores, nem paga os custos de estrutura de uma creche ou de um estabelecimento de ensino.

Recorrer ao layoff simplificado pode também trazer um problema acrescido, porque impede que a instituição possa despedir alguém, caso se verifique uma quebra acentuada de alunos, não sendo possível ajustar depois os recursos humanos.

Além disso, ao contrário do que acontece nos outros setores de atividade, após a reabertura, não vai ser possível admitir mais crianças, para além daquelas que estão autorizadas em alvará, para tentar recuperar os prejuízos causados durante o período de encerramento.

Por isso, qualquer redução nas mensalidades dos alunos deve ser muito bem ponderada e realizada de forma a não comprometer a sustentabilidade dos equipamentos de creche ou de ensino, para permitir que os mesmos possam continuar a cumprir os requisitos necessários para poderem voltar a abrir.

Se os pais não pagarem as mensalidades (mesmo mais reduzidas) e/ou com a quebra crescente de alunos que se está a verificar, principalmente nas creches e nos jardins de infância, estes equipamentos perdem a sua sustentabilidade e terão mesmo que encerrar a atividade, com consequências graves para o aumento do desemprego e a redução de vagas para as crianças em creches e jardins de infância em Portugal. 

A ACPEEP já solicitou uma intervenção urgente ao Governo, pedindo uma contribuição excecional de 150€ para cada aluno, de forma a facilitar as contribuições das famílias, com regras e limites definidos pelo Estado, enquanto as instalações estiverem encerradas. Desta forma, todos contribuiriam para manter as estruturas funcionais até todos poderem voltar à sua utilização presencial.

As creches e os jardins de infância privados não recebem, nem nunca receberam qualquer tipo de apoio/subsídio do Estado, como recebem as IPSS; mas representam uma mais valia para a sociedade, não só em termos de vagas que disponibilizam a nível de creche e jardim de infância, prestando um serviço de utilidade pública, mas também a nível do valor dos impostos que são pagos todos os meses e que contribuem para a economia do nosso país.

Em 2018, existiam 2631 creches no continente, cerca de 650 eram da rede privada (não IPSS), com cerca de 29.000 crianças e 9400 funcionários.

Apoiar agora as crianças e as famílias, nos meses de encerramento das instalações, será um investimento muito inferior ao custo que pode vir a representar o subsídio de desemprego dos trabalhadores que poderão ir para o desemprego com a falência das creches, já para não falar do investimento que seria necessário fazer para criar novas respostas sociais no futuro, se estas não subsistirem.